mercredi 28 janvier 2009

SOCIEDADE EM REDE

O paradoxo do real

Somados os percursos, teremos reconstituído uma pluralidade de mundos dentro de um mesmo e único mundo. Ou como escreveu Borges: "... sentia que o mundo é um labirinto, do qual era impossível fugir, pois todos os caminhos, ainda que fingissem ir ao norte ou ao sul, iam realmente a Roma"

Dalton Martins, Hernani Dimantas

(29/03/2008)

"As redes sempre tiveram o poder de produção de subjetividade e pensamento. A sociedade, o capital, o mercado, o trabalho, a arte, a guerra são hoje, definidos em termos de rede. Redes sociais são as formas que a sociedade se organiza. Uma organização que leva em conta as relações caóticas. André Parente afirma que "O fato de pensar é pensar em rede". O fato de existir é estar em rede.

Para Deleuze, "pensar é experimentar, é problematizar. O saber, o poder e o si são a tripla raiz de uma problematização do pensamento. E, primeiramente, considerando-se o saber como problema, pensar é ver e é falar, mas pensar se faz no entremeio, no interstício ou na disjunção do ver e do falar. É, a cada vez, inventar o entrelaçamento, lançar uma flecha de um contra o alvo do outro, fazer brilhar um clarão de luz nas palavras, fazer ouvir um grito nas coisas visíveis. Pensar é fazer com que o ver atinja seu limite próprio, e o falar atinja o seu, de tal forma que os dois estejam no limite comum que os relaciona um ao outro separando-os".

Heidegger pergunta: "O que é pensar?". E, responde: "Nós nunca chegamos aos pensamentos eles vem a nós. É a hora conveniente para a conversação. Isto nos dispõe para a meditação em comum, esta nem considera o opinar contraditório, nem tolera o concordar condescendente. O pensar permanece firme ao vento da coisa. De uma tal maneira convivência talvez alguns surjam como companheiros no oficio do pensar. A fim de que inesperadamente um deles se torne mestre".

Pensar em rede não é apenas pensar na rede, que ainda remete à idéia de social ou a idéia de sistema, mas sobretudo pensar a comunicação como lugar da inovação e do acontecimento, daquilo que escapa ao pensamento da representação.

A rede apresenta dois lados, um voltado para a construção de modelos que constituem como totalidades das relações imanentes e outro para a singularidade e paisagens irredutíveis. De fato, máquinas infocomunicacionais estariam engendrando profundas transformações nos dispositivos de produção das subjetividades. Vivemos um tempo de mudanças.

A relação é paradoxal. A mistura, a miscigenação cultural resulta num processo de enriquecimento e empobrecimento, singularização e massificação, desterritorilização e reterritorialização, potencialização e despotencialização da subjetividade em todas as dimensões.

Guatarri, em Caosmose, denomina "maquínico o estrato de sentido formado por matérias expressivas heterogêneas, não-linguisticamente formadas, mas ainda assim de natureza semiótica. Substâncias de expressão heterogêneas como as codificações biológicas ou as formas de organização própria ao socius — como aquelas derivadas de instituições como a família ou a escola — atravessam, transversalmente, os domínios de sentido propriamente linguísticos."

É a primeira vez na história da humanidade que a realidade do aqui e agora se encontra imersa nas tramas de uma temporalidade maquínica. A tecnologia como fato cultural multitemporal

A informática e a tecnociência não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas da própria subjetividade. Aqui entram fatores subjetivos das atualidades históricas (componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, educação, esporte, cultura, meio ambiente, arte e religião,) o desenvolvimento em escala das produções maquínicas de subjetividade (elementos fabricados pela indústria das mídias, cinema, máquinas lingüísticas etc. e por último, os aspectos etológicos e ecológicos relativos a subjetividade humana, a ecologia social e a ecologia mental. E, são trabalhado por agenciamentos coletivos de enunciação.

"Uma máquina que não fosse investida de desejo e alimentada de subjetividade seria um corpo sem vida. Todo corpo tem sua artificialidade e toda máquina tem sua virtualidade. A tecnologia é, portanto, a prótese" [DELEUZE. Conversações, 1998.p.122]. É o corpo sem orgãos, que é como o mecânico supõe uma máquina social. O próprio organismo supõe um corpo sem órgãos definido por suas linhas, seus eixos e seus gradientes. Todo um funcionamento maquínico distinto das funções orgânicas sociais tanto quanto das relações mecânicas.

Nesse contexto, podemos perceber que é a primeira vez na história da humanidade que a realidade do aqui e agora se encontra imersa nas tramas de uma temporalidade maquínica. A tecnologia como fato cultural multitemporal. Heidegger diz que "a finitude do tempo só se tornava plenamente visível, quando o tempo sem fim se explicitava, por contraposição à finitude". Vivemos, então, nesta contraposição. E assim, percebemos a desconteneirização não só do tempo, mas do espaço, do ser e do conhecimento.

O tempo funciona como um filtro, que ora faz passar, ora impede a passagem. É desta forma que as tecnologias remetem ao duplo movimento de aceleração e desaceleração, inovação e tradição, desterritorialização e territorialização. A contemporaneidade se caracteriza cada vez mais pela edição ou a forma como as partes do sistema são montadas ou articuladas. Esta é a cultura do remix.

Essa cultura remixada, misturada e miscigenada. Uma cultura que se desenvolve em rede exige o reconhecimento por parte da consciência. A partir de então, a filosofia ficou diferente, não pôde mais ignorar o estar-com-os-outros. Não se pode ignorar as relações em rede.

Podemos nos lembrar das teses de Leibniz e dos muitos caminhos possíveis que podem ser percorridos. São diferentes os percursos para cada indivíduo. Diferentes, portanto, a forma como cada um pode perceber onde vive, como vive e, escolher seu tempo. Se somarmos todos os percursos, teremos reconstituído uma pluralidade de mundos dentro de um mesmo e único mundo.

O fato de estar trilhando por caminhos obscuros, pela bifurcação da vida nos faz um experimentador de diferentes sentidos. Ou como escreveu Jorge Luis Borges: "...eu sentia que o mundo é um labirinto, do qual era impossível fugir, pois todos os caminhos, ainda que fingissem ir ao norte ou ao sul, iam realmente a Roma". Cá está o paradoxo!"

Mais:

A era das trocas par-a-par
Na virada do século, o desenho das redes na internet passou por uma grande transformação. Ao invés da subordinados a um servidor, os computadores e seus usuários passaram a falar uns com os outros. A mudança abriria um leque de possibilidades — inclusive no terreno da Educação

A cultura hacker
Confundidos propositalmente, pelo pensamento conservador, com invasores de rede, hackers somos todos os que agimos para que informações, cultura e conhecimento circulem livremente. E esta ética de cooperação, pós-capitalista, vai transbordando do software livre para toda a sociedade

Em busca da ativação
Desenvolvido desde 2002, método simples e instigante quebra barreiras em relação às redes sociais on-line e cria, em comunidades e instituições, ambientes de colaboração e compartilhamento. Prática revela como é tênue a diferença entre a presença "virtual" e a que se dá "em carne e osso"

Caminhos da revolução digital
Apesar de dominante, o capitalismo não consegue mais sustentar a lógica de acumulação e trabalho. Seus principais alicerces — a economia, a ética burocrática e a cultura de massas — estão em crise. Com a internet florescem, em rede, novas formas de produzir riquezas, diálogos e relações sociais

O desafio do Open Social
Em nova iniciativa supreendente, o Google sugere interconectar as redes sociais como Orkut, Facebook e Ning. Proposta realça sucesso dos sistemas que promovem inteligência coletiva e convida a refletir sobre o papel da individualidade, na era da colaboração e autorias múltiplas

Por trás dos links, as pessoas
Há dois séculos, a ciência descobriu e passou a analisar as redes. Há vinte anos, elas estão revolucionando o jeito de a sociedade se relacionar consigo mesma

dimanche 18 janvier 2009

Um Jornalista em Gaza



Em Portugues em Inglês




Atualizado às: 17 de janeiro, 2009 - 03h32 GMT
(01h32 Brasília)
CHRISTIAN
FRASER, UM JORNALISTA EM GAZA

O repórter da BBC,
Christian Fraser, é um dos primeiros jornalistas independentes a entrar em Gaza
desde o início da ofensiva israelense, no dia 27 de dezembro. Israel continua
negando o acesso de jornalistas estrangeiros ao território sem supervisão.
Fraser chegou a Rafah, no sul da Faixa de Gaza, através do Egito e enviou o
relato abaixo sobre as condições de vida na cidade.

Nós esperamos 19 dias para cruzar a fronteira
para Rafah.
Por três semanas, nós vimos os feridos atravessarem a divisa,
deixando para trás ruidosas explosões.
Rafah vem sendo bombardeada desde que
o início deste conflito. Os israelenses têm como alvo túneis de contrabando que
passam por baixo do muro do perímetro. Cerca de 40 mil pessoas que viviam perto
dele agora ficaram sem casa.
Cinco mil delas estão abrigadas em três escolas
da ONU (Organização das Nações Unidas). Muitas são crianças.
Elas estão
alegres em me ver. Felizes por ver qualquer pessoa do mundo exterior.
-Qual é
o seu nome? Qual é o seu nome? -Gritam.

Em cada sala de aula dormem 25.
As carteiras formam pilhas altas em um canto. Eles compartilham quatro colchões
e, hoje, couve para o jantar.
Nós encontramos Mahmoud, que estava carregando
o filho de sete meses, Mohammed. Eles são do campo de Shaboura. Há dez dias,
Mahmoud tirou o filho dos escombros de sua casa, miraculosamente ileso. Agora
ele abraça forte o menino.
-Eu conto estórias para as crianças à noite, disse
Mahmoud. -Eu puxo todas para perto de mim, tento acalmá-las. Eu digo a elas que
não vão morrer. Que o bombardeio acabou.

Há pais por toda a Faixa de
Gaza criando distrações semelhantes.
Nosso anfitrião, Ahmed Adwan, disse que
toda vez que uma bomba cai perto de sua casa, ele dança para a filha de três
anos. Agora ela acha que é uma brincadeira.



Espera

Mas não é brincadeira. O estresse
psicológico é enorme e aparece no rosto das pessoas que encontramos.
Os caças

sobrevoam a casa continuamente. Ninguém dorme. Ninguém sabe onde a próxima bomba
vai cair. Não há um momento de paz. As conversas são interrompidas
constantemente pelo rugido de aeronaves israelenses.
Nós vimos os seus
ataques "precisos". Não há dúvida de que os israelenses fizeram um esforço para
atingir seus alvos com precisão. A delegacia do lado oposto do armazém da ONU
agora é só uma cratera.
Mas há muitos locais bombardeados onde se pode ver
danos colaterais. Não é de se estranhar que tenha havido tantos mortos e feridos
entre civis. Na casa onde estamos hospedados as janelas ficam abertas, caso o
impacto de uma das explosões estoure os vidros.
Ahmed fumava 20 cigarros por
dia antes do início deste conflito. -Agora, todos os dias, eu fumo dois maços e
meio,- disse ele. -Eu estou nervoso o tempo todo. Eu me preocupo com a família.

Seu amigo, Abu Moustafa, foi forçado a abandonar sua casa na fronteira há
duas semanas. Agora ele vive com parentes.
-Eu virei duas vezes refugiado,-
disse ele. -Meu pai perdeu a casa dele para os israelenses em 1948. Ele era do
vilarejo de Yebna. Agora nós estamos desabrigados de novo.
-Minha casa ainda
está de pé, mas está danificada.
-Eles bombardeiam a área desde o dia 28.
Havia 21 de nós na casa naquela noite. Eu não vejo meus vizinhos desde então.
Não existe interação social no momento.
-É perigoso demais andar pela cidade
então nós ficamos sentados e esperamos ... e esperamos.
Economia
destruída


Os palestinos de Rafah disseram que os túneis são
vitais para eles.
Eles dizem que poucas armas passaram por debaixo do muro.
Agora os túneis estão destruídos e eles temem que a escassez de suprimentos se
agrave.
-Existe comida, mas há uma escassez crônica mesmo dos produtos mais
básicos, disse Ahmed.
-Farinha de trigo, açúcar, lentilhas, arroz... e os
preços dispararam. Tudo está mais caro. Não há shekels (moeda israelense) em
Gaza, só dólares.
-Os funcionários da UNWRA (Agência de Ajuda aos Refugiados
Palestinos da Organização das Nações Unidas na Faixa de Gaza) aqui só receberam
50% de seus salários no mês passado porque existe essa escassez de dinheiro na
Faixa (de Gaza).
-Eu não posso tirar dinheiro do banco. Meu irmão me manda
dinheiro do Egito através de pessoas que cruzam a fronteira.
Combustível é
outro produto que está mais caro. Há três semanas, o diesel custava um shekel
(US$ 0,26) por litro. Agora custa mais de quatro shekels.
-Como é que nós
vamos conseguir combustível se eles não reabrirem as fronteiras?,- perguntou
Ahmed.
-Nós estamos vivendo sob cerco há 18 meses. Nós não confiamos nos
israelenses para nos abastecer. Faltam-nos tantas coisas que o Ocidente tem
garantidas. Ração animal.
-Eles nunca falam sobre isto mas como vamos
alimentar as nossas galinhas e vacas? É por isso que o preço da carne e do
frango subiu tão depressa.
Em
resumo

A economia da Faixa de Gaza e de Rafah está em
frangalhos.
-Nós esperamos que haja uma trégua, disse Abu
Moustafa.

-Mas por quanto tempo vai durar? Se a comunidade internacional
continuar a fazer vista grossa para as injustiças que nós sofremos, nunca vamos
romper o círculo vicioso. Nós também queremos paz. Quem quer viver deste jeito?




*Nota do Editor

Da Redação, com detalhes e Informações de Agências
Internacionais, (Reuters), (Press France), (BBC), (G1), (FTP) (AFP) Fontes
Jornalísticas e Poetas do Mundo

Todos os artigos e imagens acrescidos
os respectivos créditos Por: Elizabeth Misciasci-
Editora de Conteúdo Responsável- Cônsul Penha SP/ Poetas Del Mundo
Brasil



Version English
Christian Fraser is the first British journalist to get
access to Gaza since the conflict began


The BBC's
Christian Fraser is the first British journalist to enter Gaza independently
since the Israeli offensive began. Israel is continuing to deny foreign
journalists unsupervised access to the Strip. He sent this report from Rafah,
southern Gaza, which he entered from Egypt.

Nineteen days we had
waited to cross into Rafah.
For three weeks we had watched the injured come
through the crossing and thunderous explosions on the other side. At last we
were being allowed in to report it - independently.
Rafah has been pounded
through this conflict. The Israelis are targeting smuggling tunnels that extend
beneath the perimeter wall. Around 40,000 people who lived close to it are now
homeless.
Five thousand of them are sheltering in three UN schools, so many
of them are children.
Frightened children
They were
pleased to see me. Pleased to see anyone from the outside world.
-What's your
name, what's your name,- they scream.
They are sleeping 25 to a classroom.
The desks have been piled high in a corner. They share four mattresses and on
this day a cabbage for their evening meal.
We met Mahmoud who was carrying
his seven-month-old son Mohammed. They are from Shaboura camp. Ten days ago
Mahmoud dug his son out of the rubble of his house, miraculously unscathed. Now
he hugs him close.
I tell the children stories at night, - he says. -I pull
them all close to me, try to calm them. I tell them they are not going to die.
That the bombing is all over.
There are fathers all over Gaza working similar
distractions.
Our host, Ahmed Adwan, told me that every time a bomb falls
near his house, he dances for his three-year-old daughter. She now thinks it is
a game.
Waiting it out

But it is no laughing
matter. The psychological strain is huge and showing on the faces of the people
we meet.
The jets fly over the house continually. No-one sleeps. No-one knows
where the next bomb will fall. There is not a moment's peace. Conversation is
constantly interrupted by the roar of the Israeli jets overhead.
We have
seen their surgical air strikes. There is no doubt the Israelis have tried hard
to hit their targets accurately. The police station opposite the UN warehouse is
now just a crater.
But there are plenty of bomb sites where there is
extensive collateral damage. It is no wonder there have been so many civilian
casualties. In the house in which we are staying the windows are all left open,
in case the pressure from one of the blasts should blow the glass out.
Ahmed
smoked 20 cigarettes a day before this conflict started. -Now I smoke two and
half packets every day,- he said. -I am nervous all the time. I worry for my
family.
His friend, Abu Moustafa, was forced to leave his house at the border
over two weeks ago. He is now living with relatives.
-I am a refugee twice
over, - he says. -My father lost his home to the Israelis in 1948. He was from
Yebna village. Now we are homeless again.
-My house is still standing but it
is damaged.
-They have been bombing the area since the 28th. There were 21 of
us in the house that night. I haven't seen my neighbours since. There is no
social interaction at the moment.
-It's too dangerous to travel about town so
we sit and we wait… and we wait.
Shattered
economy


The Palestinians of Rafah tell me the tunnels were their
lifeline.
They say very few weapons came under the wall. And now the tunnels
are destroyed, they worry the shortages will become more acute.
-There is
food but there is a chronic shortage of even the most basic commodities, - said
Ahmed.
-Wheat flour, sugar, lentils, rice… and prices have rocketed.
Everything is so much more expensive. There are no shekels in Gaza, only
dollars.
-The Uuwra employees here only got 50% of their salaries last month
because there is such a shortage of money in the strip.
I can't draw out
money from the bank. My brother sends me cash from Egypt via people who return
through the crossing.
Fuel is another commodity that is more expensive. Three
weeks ago diesel was one shekel ($0.26) a litre, now it is more than
four.
-How are we going to get fuel if they don't re-open the crossings? -
asked Ahmed.
-We have been living under siege for 18 months. We don't trust
Israel to provide for us. We are lacking so many things the West takes for
granted. Animal feed.
They never talk about it but what are we supposed to
feed our chickens and cows? That's why the price of meat and poultry has risen
so fast.

In short
The
economy of Gaza and Rafah is shattered - much like its people.
We hope there
will be a truce,- said Abu Moustafa.

-But how long will it last? If the
international community continues to turn a blind eye to the injustices we
suffer then we will never break this vicious circle. We want peace too. Who
wants to live like this?



*Nota do Editor

Da Redação, com detalhes
e Informações de Agências Internacionais, (Reuters), (Press France), (BBC),
(G1), (FTP) (AFP) Fontes Jornalísticas e Poetas do Mundo

Todos os
artigos e imagens acrescidos os respectivos créditos Por: Elizabeth Misciasci- Editora de Conteúdo
Responsável- Cônsul Penha SP/ Poetas Del Mundo Brasil

Revista
zaP!



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Expectativa por Trégua... Na esperança do cessar-fogo o Mundo em oração
chora! Um Jornalista em Gaza. Christian Fraser: Relatos,
informações emocionantes, seguras e na íntegra! Conselho de Segurança pede cessar-fogo em Gaza. Israel continua
bombardeando... Tropas Israelenses entraram por terra na Faixa de
Gaza Ataques na Faixa de Gaza, destruições na
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Mundo Manifesto Universal dos Poetas Del
Mundo Delasnieve Daspet - Embaixadora da Paz!
Brasil Gustavo Dourado, Cônsul
Brasília

Diploma, Elizabeth Misciasci - Cônsul Penha -Sp Poetas Del
Mundo Jorge Linhaça - Cônsul Arandú -Sp Poetas Del
Mundo Celito Medeiros- Cônsul Paraná -PR Poetas Del
Mundo Marcial Salaverry -Santos Sp - Poetas Del
Mundo Lilian Maial - Cônsul Rio de Janeiro -RJ Poetas Del
Mundo Vilma Galvão - Piracicaba - Membro -Sp Poetas Del
Mundo Antonio M. Sardenberg - Membro - Poetas Del
Mundo Nadir Donófrio - Membro Poetisa de Santos -Sp Poetas Del
Mundo Miguel Rubio -Membro - Poetas Del Mundo - Sp/Sp
Brasil Perfil de Elizabeth
Misciasci

Retornar a Capa do NEWS zaP!

vendredi 9 janvier 2009

O gozo de Gaza


A periferia debaixo de tiros, a Palestina debaixo de bombas. Mera coincidência, ou são sempre os mesmos que sangram nas calçadas, quer seja na faixa de Gaza brasileira ou na Faixa de Gaza Palestina? Estou cansado deste mundo de muitos na faixa de gaza e poucos na faixa do gozo

Sérgio Vaz

(08/01/2009)

Povo lindo, povo inteligente, na faixa de Gaza o povo Palestino sangra sob a mira de Israel, que pelo que parece não aprendeu nada com a Alemanha de Hitler. E o Mundo, em silêncio, parece que também não.

Aqui no Brasil, na Baixa do Sapateiro, faixa de gaza baiana, menino Matheus morreu com um tiro de Fuzil quando saía de casa para comprar pão, no mesmo momento em que a polícia invadia sua favela.

Mera coincidência, ou são sempre os mesmos que sangram nas calçadas, quer seja na faixa de Gaza brasileira ou na Faixa de Gaza Palestina? Será que a sede de sangue nunca cessa?

A Periferia debaixo de tiros, a Palestina debaixo de bombas. Será que deus foi passar o réveillon em Copacabana?

Não tenho tempo para orações, porque enquanto a gente esfola o joelho de mãos espalmadas pedindo o céu, eles, com as mãos armadas, nos atolam no inferno.

Estou cansado deste mundo de muitos na faixa de gaza e poucos na faixa do gozo.

Em tempos de humanidade tão desumana, estar vivo, dependendo do lugar, já é um grande milagre. Aqui na faixa de Gaza paulista, a gente está colocando livros nas mãos das crianças que ainda não foram mortas. E elas disparam poesia ao invés de pedras - mesmo com a boca cheia de cáries e o peito cheio de mágoas-, e ainda tem muita gente que não está gostando nada disso.

O Verbo das ruas se conjuga assim: se eles vão, nóis vai, se vale tudo pra chegar primeiro, vale tudo pra quem chega-chegando. Quando o sujeito não está presente, ninguém tem futuro ou pretérito perfeito.

Mundinho medíocre esse nosso. Vai vendo a contradição: meninos que pegam em armas valem mais do que meninos que pegam em livros. Entendeu não? Eu explico: É que para alguns, quanto mais Vietnã mais Miami se aproxima.

Tem sangue em nossas mãos e tem gente que finge não entender: o porque de tanta Hiroshima.

mardi 6 janvier 2009

GEOPOLÍTICA

A razão do mais forte

Com o fim da guerra fria, os Estados Unidos adotaram o conceito de ’rogue States’ (Estados delinqüentes) para designar países que desafiam a sua hegemonia. Ao fazê-lo, no entanto, extrapolam do abuso do poder e tornam-se, eles próprios, um ’rogue State’

Jacques Derrida

O abuso de poder faz parte da própria soberania. O que significa isso em relação aos rogue States – os “Estados delinqüentes”? Significa que os Estados que estão dispostos a denunciá-los, a acusar as violações e as transgressões do direito, as perversões e os desvios de que seria culpado esse ou aquele rogue State, que os Estados Unidos que dizem ser fiadores do direito internacional e que tomam a iniciativa da guerra, das operações de polícia ou de manutenção da paz porque têm a força, e que esses Estados Unidos e os Estados que a eles se aliam nessas ações são, eles próprios, enquanto soberanos, os principais rogue States.

A “lógica” do conceito de soberania evidencia que os Estados que declaram guerra aos rogue States são, em sua mais legítima soberania, rogue States

E isso antes mesmo que se tenha que constituir dossiês (aliás, úteis e esclarecedores) que instruam, por exemplo, as denúncias de um Chomsky ou de um W.Blum e as obras intituladas rogue States. Não constitui ofensa a essas obras corajosas lamentar que nelas esteja ausente um pensamento político conseqüente, em especial no que diz respeito à história e à estrutura, à “lógica” do conceito de soberania. Esta “lógica” evidenciaria que, a priori, os Estados que estão dispostos a declarar a guerra aos rogue States são, eles próprios, em sua mais legítima soberania, rogue States que abusam de seu poder. Se há soberania, há abuso de poder e há um rogue State. O abuso é a lei do uso, assim como é a própria lei, tal é a “lógica” de uma soberania que só pode reinar sem partilha. De modo mais exato - porque nunca chega a isso senão de forma crítica, precária, instável - a soberania só pode tender, por um tempo limitado, a reinar sem partilha. Só pode tender à hegemonia imperial. Usar esse tempo já é abusar - como o faço aqui mesmo o delinqüente que, então, eu sou. Só existem, pois, Estados delinqüentes. Em potência ou em ato. O Estado é delinqüente. Sempre há mais Estados delinqüentes do que se imagina. Como entender o fim dos Estados delinqüentes?


O sentido e o alcance da “delinqüência”

Aparentemente, no final dessa grande volta, se teria a tentação de responder “sim” à questão colocada no título: “A razão do mais forte (existem Estados delinqüentes?)”. Sim, existem Estados delinqüentes, porém mais do que se imagina e se diz, e sempre mais. Eis aí uma primeira reviravolta.

Mas eis aqui a última reviravolta, a mais recente. A mais recente evolução de uma volta, de uma revolução ou de uma revolving door. Em que consiste ela? Inicialmente seria possível sentir-se tentado – mas resistirei a essa tentação, tão fácil quanto legítima – a pensar que se todos os Estados são Estados delinqüentes, se a banditocracia é a própria cracia1 da soberania estatal, se só há delinqüentes, então não há mais delinqüentes. Nenhum delinqüente. Se existem sempre mais delinqüentes do que se diz ou se faz crer, então não há mais delinqüentes. Mas, além dessa necessidade de certa forma intrínseca de colocar fora de uso o sentido e o alcance da palavra “delinqüente”, já que quanto mais delinqüentes existem, menos existem delinqüentes, e que o “nenhum delinqüente”, “nenhum Estado delinqüente” significa duas coisas tão contraditórias, há também a necessidade de se acabar com essa denominação e circunscrever sua época, delimitar o apelo freqüente, recorrente, compulsivo que os Estados Unidos e alguns de seus aliados lhe causaram.


A política de represálias de Clinton

Poderia pensar-se que se todos os Estados são delinqüentes, se a banditocracia é o poder da soberania, se só há delinqüentes, então não há mais delinqüentes

Minha hipótese é a seguinte: de um lado, essa época começou no fim da chamada guerra fria, durante a qual duas superpotências superarmadas, membros fundadores e permanentes do Conselho de Segurança, acreditavam poder fazer reinar a ordem no mundo por meio do equilíbrio do terror nuclear e interestatal; de outro lado, mesmo que se continue aqui ou ali a utilizar essa expressão, seu fim, mais do que anunciado, foi teatralmente – um verdadeiro espetáculo teatral – confirmado no dia 11 de setembro (data indispensável para se referir economicamente a um acontecimento a que não corresponde, com toda razão, conceito algum, um acontecimento, aliás, constituído de modo estrutural como acontecimento público e político - portanto, além de todas as tragédias das vítimas, diante das quais só se pode manifestar uma compaixão ilimitada - por esse poderoso espetáculo teatral calculado de ambos os lados).

Com as duas torres do World Trade Center, desmoronou, visivelmente, todo o dispositivo (lógico, semântico, retórico, jurídico, político) que tornava útil e significativa a denúncia, em resumo, tranqüilizadora dos Estados delinqüentes. Logo após o desmoronamento da União Soviética (“desmoronamento” porque nele está uma das premissas, uma das primeiras viradas do desmoronamento das duas torres), desde 1993, Clinton, ao assumir o poder, inaugurava, em suma, a política de represálias e de sanção contra os Estados delinqüentes, declarando perante a ONU que seu país usaria como lhe parecesse adequado o artigo excepcional (artigo 51) e que - eu cito - os Estados Unidos agiriam “multirateralmente quando possível, mas unirateralmente quando necessário”.


Arrogância e unilateralidade

O fim da expressão rogue State, mais do que anunciado, foi teatralmente – um verdadeiro espetáculo teatral – confirmado no dia 11 de setembro de 2001

Esta declaração foi repetida e confirmada mais de uma vez: por Madeleine Albright, quando era embaixadora junto às Nações Unidas, e por William Cohen, secretário da Defesa. Este comunicava, em suma, que, contra os Estados delinqüentes, os Estados Unidos estavam dispostos a intervir militarmente, de forma unilateral (portanto, sem a prévia aprovação da ONU ou do Conselho de Segurança), toda vez que seus interesses vitais estivessem em jogo e, por interesses vitais, queria expor - eu cito - “ensuring inhubited access to key markets, energy supllies, ande strategic resources2” e tudo o que fosse determinado como interesse vital por uma “domestic jurisdiction3”. Bastaria então que, dentro dos Estados Unidos e sem consultar ninguém, os norte-americanos considerassem que seu “interesse vital” o exigia para que os Estados Unidos tivessem um motivo, um bom motivo, para atacar, para desestabilizar ou para destruir qualquer Estado cuja política fosse contrária a tal interesse.

Para justificar essa unilateralidade soberana, essa não partilha de soberania, essa violação da instituição presumivelmente democrática e normal que é a ONU, para dar razão a essa razão do mais forte, era necessário então decretar que o dito Estado tido como agressor ou ameaçador agia como Estado delinqüente. “A rogue State”, dizia Robert S. Litwak, “is whoever The United States says it is4.” E isso no exato momento em que, declarando que agiriam unilateralmente, os Estados Unidos se colocavam a si mesmos como um Estado delinqüente. Estado delinqüente, os Estados Unidos que foram, no dia 11 de setembro, oficialmente autorizados pela ONU a agir como tal, isto é, a tomar todas as medidas consideradas necessárias para se protegerem, em qualquer parte do mundo, contra o chamado “terrorismo internacional”.


O único e último guardião da ordem

Com as duas torres do World Trade Center, desmoronou, visivelmente, o dispositivo que tornava útil e significativa a denúncia dos Estados delinqüentes

Mas, afinal, o que aconteceu, ou mais exatamente indicou, explicitou, confirmou o 11 de setembro? Além de tudo o que se pôde dizer a respeito dele, mais ou menos legitimamente, e que não repetirei, o que se tornou claro nesse dia, dia que não foi tão imprevisível quanto se sugeriu? Um fato maciço e demasiado evidente: depois da guerra fria, a ameaça absoluta não tinha mais uma forma estatal. Se havia sido controlada por duas superpotências estatais no equilíbrio do terror, durante a guerra fria, a dispersão do potencial nuclear fora dos Estados Unidos e de seus aliados não era mais controlável por Estado algum. Ainda que tente conter seus efeitos, muitos índices poderiam mostrar de forma evidente que, se houve trauma, o 11 de setembro - nos Estados Unidos e no mundo - não consistiu, como se acredita quase sempre em relação ao trauma em geral, num efeito ofensivo provocado pelo que já era efetivamente passado, acabava de acontecer atualmente, corria o risco de repetir-se novamente, mas na apreensão inegável de uma ameaça pior e por vir.

O trauma persiste traumatizante e incurável porque vem do futuro. O virtual também traumatiza. O trauma ocorre quando se é ferido por uma ferida que ainda não aconteceu de modo concreto e diferente do sinal que a anunciou. Sua temporalização procede do por vir. Ora, aqui, o futuro não é apenas a queda virtual de outras torres e de estruturas semelhantes, ou mesmo a possibilidade de um ataque bacteriológico, químico ou “informático” etc. Ainda que isso nunca deva ser excluído. O pior por vir é um ataque nuclear que ameace destruir o aparelho de Estado dos Estados Unidos, isto é, de um Estado democrático cuja hegemonia é tão evidente quanto precária, em crise, de um Estado supostamente fiador, único e último guardião da ordem mundial dos Estados normais e soberanos. Esse virtual ataque nuclear não exclui os outros e poderia fazer se acompanhar por ofensivas químicas, bacteriológicas, informáticas.


Uma retórica vaidosa e inútil

Clinton inaugurou a política de represálias, declarando perante a ONU que os EUA agiriam “multirateralmente quando possível, mas unirateralmente quando necessário”

No entanto, faz muito tempo - desde o aparecimento da expressão rogue State - que essas agressões haviam sido imaginadas. Mas eram então identificadas, em sua origem, com Estados e, portanto, com potências organizadas, estáveis, identificáveis, localizáveis, territorializáveis, e que, não suicidas ou consideradas como tais, podiam ser sensíveis à força de dissuasão. Em 1998, o House Speaker Newt Gingrich dizia claramente que a URSS passara a inspirar tranqüilidade a partir do momento em que seu poder, exercido de forma burocrática e coletiva, portanto não suicida, era sensível à dissuasão. E acrescentava que, infelizmente, isso não acontecia com dois ou três regimes no mundo atual. Deveria ter esclarecido que, justamente, não se tratava sequer de Estados ou regimes, de organizações estatais ligadas a uma nação ou a um território.

Muito rapidamente, eu mesmo vi, em Nova York, menos de um mês após o 11 de setembro, membros do Congresso explicarem na televisão que medidas técnicas adequadas haviam sido tomadas para que um ataque contra a Casa Branca não destruísse em alguns segundos o aparelho de Estado e tudo o que representa o Estado de direito. Em nenhum momento, o presidente, o vice-presidente e a totalidade do Congresso estariam juntos, num mesmo lugar e no mesmo momento, como às vezes ocorre, por exemplo, no dia do pronunciamento presidencial sobre a situação da União. Essa ameaça absoluta ainda era contida no tempo da guerra fria por uma teoria de jogos estratégicos. E não podia mais ser contida se a ameaça já não vinha de um Estado constituído, nem mesmo potencial, que poderia ser tratado como Estado delinqüente. Isso condena à vaidade e à inutilidade toda a energia gasta com a retórica (sem falar dos gastos militares) para justificar a palavra guerra e a tese segundo a qual a “guerra contra o terrorismo internacional” deveria visar a Estados determinados que serviam de apoio financeiro, de base logística ou de abrigo para o terrorismo ou que podiam, como lá se diz, sponsor ou harbour os terroristas.


“Racionalizando” um conceito excludente

Desde o aparecimento da expressão rogue State, essas agressões haviam sido imaginadas, mas eram então identificadas, em sua origem, com Estados

Todos esses esforços para identificar Estados “terroristas” ou Estados delinqüentes são “racionalizações” destinadas a recusar, mais que a angústia absoluta, o pânico ou o terror diante do fato de que a ameaça absoluta não pode mais proceder ou permanecer sob o controle de um Estado, qualquer que seja a forma estatal. Era preciso dissimular através dessa projeção identificatória, era preciso, sobretudo, se dissimular que potências nucleares ou armas de destruição em massa são virtualmente produzidas e acessíveis em lugares que já não se situam na órbita de influência de Estado algum. Nem mesmo de um Estado delinqüente.

Os mesmos esforços, os mesmos gestos, as mesmas “racionalizações”, os mesmos desmentidos se esgotam em vão, tentando desesperadamente identificar Estados delinqüentes, assegurar a sobrevivência de conceitos tão moribundos quanto os de guerra (conforme o bom e velho direito europeu) e de terrorismo. Daqui por diante não se está mais diante de uma guerra internacional clássica porque nenhum Estado a declarou nem se engaja nela enquanto tal contra os Estados Unidos, nem – se nenhum Estado-nação está presente enquanto tal – de uma guerra civil, nem mesmo de uma “guerrilha” (segundo o interessante conceito de Schmitt), visto que não se trata mais de resistência a uma ocupação territorial, de guerra revolucionária ou de guerra de independência para libertar um Estado colonizado e dele fundar um outro. Por essas mesmas razões, se considerará sem pertinência o conceito de terrorismo que, justamente, sempre esteve associado ao das “guerras revolucionárias” ou ao das “guerras de independência” ou ao das “guerrilhas”, das quais o Estado sempre foi o objeto da disputa, o horizonte e o terreno.


Inventando a semântica do absurdo

Daqui por diante não se está mais diante de uma guerra internacional clássica porque nenhum Estado a declarou nem se engaja nela enquanto tal contra os Estados Unidos

Portanto, só existem Estados delinqüentes e não há mais Estados delinqüentes. O conceito terá atingido seu limite e o fim - mais aterrador do que nunca - de sua época. Este fim sempre esteve próximo, desde o início. A todos os sinais, de certo modo conceituais e que acabo de destacar, deve-se acrescentar outro que representa um sintoma de outra ordem. Exatamente aqueles que, sob Clinton, mais aceleraram e intensificaram a estratégia retórica e mais abusaram da expressão demoníaca de rogue State, são os que, afinal, no dia 19 de junho de 2000, declararam publicamente que haviam decidido abandonar pelo menos a expressão. Madeleine Albright comunicou que o State Departement já não via nela uma denominação adequada e que, a partir de então, se utilizaria, de modo mais neutro e moderado, States of concern.

Como traduzir States of concern conservando a seriedade? Digamos “Estados preocupantes”, Estados que nos causam muita inquietação, mas também Estados com os quais devemos seriamente nos preocupar, e nos ocupar, para tratar bem de seus casos. Seus casos, no sentido médico e no sentido judicial. De fato - e se notou isso - o abandono desse termo assinala uma verdadeira crise no sistema e no orçamento da defesa míssil antimíssil. Depois do que, mesmo que Bush tenha reativado a expressão aqui ou ali, ela caiu, sem dúvida para sempre, em desuso. Em todo caso, é esta minha hipótese, cuja razão última tentei justificar. E o fundo sem fundo. A palavra “delinqüente” foi abandonada, abandonada pelo fundo, seu abandono tem uma história e, como a palavra rogue, ela não é eterna.

Mas “delinqüente” e rogue sobreviverão por algum tempo aos “Estados delinqüentes” e aos rogue States aos quais, na verdade, terão precedido.

(Trad.: Iraci D. Poleti)

* Este texto foi extraído de Voyous, Edições Galilée, Paris, 232 p., 30 euros (cerca de 100 reais), a ser lançado em janeiro de 2003.

1 - N.T.: O sufixo “cracia” deriva do grego kratos, que significa “poder”.
2 - "Garantir acesso irrestrito a mercados-chaves, a fontes de energia e aos recursos estratégicos."
3 - "jurisdição nacional"
4 - "Um ‘Estado-delinquente’ é aquele que os Estados Unidos definem como tal"

GLOBALIZAÇÕES

Uma Europa da esperança

Filósofo e escritor recentemente falecido, Derrida sempre ancorou sua reflexão sobre questões contemporâneas, o que lhe valeu inúmeras críticas. Em sua homenagem, publicamos uma de suas últimas intervenções públicas, a da festa do cinqüentenário do Monde diplomatique, na qual ele convoca a Europa a assumir o papel que lhe cabe na construção de uma outra globalização

Jacques Derrida

O Monde diplomatique não se desviou, ao menos no espírito, de seus princípios fundadores. No entanto, se tornou globalizado segundo um outro tipo se globalização

Paris, na França, falando sua língua, e a França na Europa. Será que os lugares que assumem e têm este nome, será que os lugares onde se produz e se leva em consideração uma fala pública e uma responsabilidade política relativamente livres, será que estes lugares podem se tornar, sem presunção, sem paradoxo nem contradição, os centros pensantes, atuantes, irradiantes de uma outra globalização digna desse nome? A esta questão, minha hipótese, minha esperança, responderão “sim”, este “sim” que tentarei argumentar.

Amigo fiel e leitor agradecido do Monde diplomatique, eu gostaria de prestar homenagem a este que considero o jornal, a aventura e a ambição jornalísticos mais extraordinários desse meio século, isto é, de toda minha vida de adulto e de cidadão. E não somente na França, em Paris e na Europa. Ao longo desses cinqüenta anos passados, inegavelmente e irreversivelmente passados, Le Monde diplomatique terá representado, a meu ver, a honra e a coragem daquilo que foi, através de uma informação íntegra e rigorosa – com freqüência, não encontrável em outros lugares – mais que um modelo jornalístico herdado do melhor passado, terá significado, simultaneamente, no mesmo movimento, um apelo e uma injunção em relação ao futuro.

Em relação ao futuro do mundo, ao da França e da Europa, certamente, mas muito além disso. A memória, a reportagem, a análise sem concessão e sem “unilateralidade” dos fatos foram nele, sem dúvida, a regra, mas também e através do mesmo ato, o apelo a fazer o que não está feito e que, portanto, está por ser feito. O apelo a afirmar, a reafirmar, a avaliar, a decidir. Não é, pois, somente o passado desse grande jornal que eu gostaria de saudar, é também o que ele nos pede, o que ele exige de nós, e do mundo, em relação ao futuro. É por isto que estas poucas palavras não serão apenas as de uma saudação ou de uma homenagem, mas serão também os votos para o amanhã. Eu reli, no primeiro número, de maio de 1954, o “Aos nossos leitores”, assinado pela redação do novo jornal e, na verdade, tudo permite supor, pelo próprio Hubert Beuve-Méry.

Não acredito que uma revolução possa, proximamente, derrubar as superpotências representadas por estas sinistras siglas: FMI, OCDE, OMC

Enquanto lia esta certidão de nascimento, eu me dizia que, se uma história analítica e exigente desse meio século do Monde diplomatique fosse escrita um dia – tarefa imensa e necessária para os historiadores do futuro – se perceberia nela que se manteve uma certa fidelidade às missões fundadoras fixadas desde a origem. E isto, sem dúvida, através dos deslocamentos múltiplos, das reviravoltas às vezes audaciosas, e até arriscadas, ou expostas à própria discussão – o que sempre pode acontecer, felizmente, entre os amigos do jornal. Esta fidelidade foi mantida através de todas as equipes e dos sucessivos diretores.


Outro tipo de globalização

O que mudou, quem poderia negar isso, foi o mundo, não o jornal; foi seu grande homônimo, seu referente desmesurado, o próprio mundo. O mundo foi abalado e dividido e recomposto por todos os tipos de sismos. Os conceitos e as formas do que, ainda ontem, se chamava o “mundo da diplomacia” foram radicalmente conturbados, mas o Monde diplomatique não se desviou, ao menos no espírito, de seus princípios fundadores. No entanto, ele se tornou globalizado segundo um outro tipo se globalização.

Relendo, depois do “Aos nossos leitores” de Beuve-Méry, o editorial “Resistências”, assinado por Ignacio Ramonet em nome do jornal, no número de maio de 2004, achei-o rico e denso, e mesmo exaustivo na concisão de seus 36 “não” e de seus 18 “sim”: se contei bem, duas vezes mais “não” que “sim” – e é exatamente isso o “apelo a resistir”.

Eu subscrevo tanto os 36 “não” quanto os 18 “sim”. Isto representa para mim não mais um decálogo, mas uma espécie de tábua dos mandamentos, o credo ou o ato de fé pela ética, pelo direito e pela justiça, pela política de nosso tempo e pelo futuro de nosso mundo. Num instante, e direi o porquê, neste dia de aniversário, me sentiria tentado a privilegiar, na urgência política da hora, pelo menos um desses “sim”. Eu que, se ouso dizê-lo, declarei um dia meu velho amor pela palavra “resistência”, a ponto de a escolher – e também no plural – como título de um livro. Eu que, há décadas, e mais explicitamente em Spectre de Marx [Espectro de Marx], em 1993, ou em Cosmopolites de tous les pays, encore un effort [Cosmopolitas de todos os países, mais um esforço], em 1997, e em tantos outros lugares, fiz a defesa, não contra o cosmopolitismo dos cidadãos do mundo, contra o qual nada tenho, muito pelo contrário, mas que ainda pertence a uma era da teologia política da soberania e do Estado territorializado; eu que critiquei o uso abusivo e “instrumentalizante”, o desvio ideológico e economicista que se fazia do léxico da globalização, na verdade, do mercado mundial único; eu que, então, fiz a defesa de uma nova Internacional que, após a denúncia de todos os males aos quais é preciso resistir, eu definia, em páginas e páginas, como “aquilo que não é apenas o que busca um novo direito internacional através dos crimes, mas um elo de afinidade, de sofrimento e de esperança, um elo ainda discreto [era em 1993], quase secreto, mas cada vez mais visível, um elo intempestivo e sem status, sem título e sem nome, muito pouco público apesar de não ser clandestino, sem contrato, sem partido, sem pátria, sem comunidade nacional, internacional antes, através e além de toda determinação nacional, sem co-cidadania, sem pertencimento comum a uma classe.”

A pressão crescente e sem trégua dos movimentos populares e da opinião pública por uma outra globalização as enfraquecerá e não deixará de obrigá-las a se reformarem

Quem escrevia isso há mais de dez anos, não pode senão se rejubilar ao ver Le Monde diplomatique tornar-se, cada vez mais, uma referência maior dos jovens movimentos por uma outra globalização. Por mais heterogêneos e às vezes confusos que, por vezes, possam ainda parecer, esses novos agrupamentos por uma outra globalização representam, a meu ver, a única força confiável e digna do futuro. E isso contra o G-81, o consenso de Washington, o mercado totalitário, o livre-comércio integral, o “pôquer do mal”: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio (OMC). Contra o que se passa hoje – e não podia deixar de se passar no Iraque, segundo os planos desastrosos elaborados por Wolfowitz, Cheney e Rumsfeld muito antes do 11 de setembro. Entre parênteses, um certo Brussells’ tribunal, na tradição do Tribunal Russell, está prestes a proceder, conforme as melhores regras do direito, a um inquérito e depois a julgamentos, que se realizarão em Istambul, sobre esse plano de hegemonia médio-oriental e mundial.


Vocação francesa e européia

Não acredito que uma revolução no estilo do “Dia da Revolução Social” possa, proximamente, derrubar as superpotências representadas por estas sinistras siglas: FMI, OCDE, OMC etc.. Mas a pressão crescente e sem trégua dos movimentos populares e da opinião pública por uma outra globalização as enfraquecerá e não deixará de obrigá-las – já as pressiona, em certa medida – a se reformarem. O mesmo ocorrerá com a ONU e com seu Conselho de Segurança, sobrevivência da II Guerra Mundial, de seus vencedores e da Guerra Fria.

Em seu editorial de 1954, Beuve-Méry inseria, de passagem, uma observação que podia, então, parecer convencional, e mesmo patriótica, senão nacionalista. Em vista da missão comum que consiste “em trabalhar pelo desenvolvimento pacífico das relações internacionais, Paris é absolutamente indicada para ser a sede deste jornal, e o francês, sua língua”. “Se, na verdade”, acrescentava ele, “esta, a língua francesa, perdeu seu monopólio de antes na vida diplomática, não é menos verdade que o francês é a língua mais difundida nesses meios.”

Devemos assumir, no mundo tal como é e tal como se anuncia, uma responsabilidade francesa e européia insubstituível no movimento por uma outra globalização

Cinqüenta anos depois, eu me digo: sem dúvida, Le Monde diplomatique mantém sua sede em Paris e, como primeira língua, o francês; porque, se é tão amplamente internacionalizado, considerado no mundo inteiro como um jornal de referência fundamental, se é traduzido em tantas línguas, ele conserva uma ancoragem parisiense e francesa evidente, que é, na verdade, um inegável enraizamento europeu. Longe de constituir um limite francocêntrico ou eurocêntrico, eu creio – gostaria de crer – que isso deve exigir uma interpretação, uma tomada de consciência e um dever político que temos que levar em conta de modo rigoroso. Não conheço nenhum país no mundo, nenhum continente, não imagino nenhum outro lugar onde um jornal como ele pudesse nascer, viver, sobreviver com esta liberdade, esta exigência e estas qualidades.


Obrigação a ser assumida

Isso nos obriga a assumir, no mundo tal como é e tal como se anuncia, uma responsabilidade francesa e européia insubstituível no movimento por uma outra globalização, entre a hegemonia norte-americana, o aumento de poder da China e as teocracias árabes ou muçulmanas.

Eu não passo por um filósofo eurocentrista. Desde há quarenta anos, é do contrário que poderia ser acusado. Mas creio que, sem ilusões e sem pretensões eurocêntricas, sem o menor nacionalismo europeu, sem mesmo muita confiança na Europa tal como é ou parece em vias de se fazer, devemos lutar para que aquilo que representa esse nome hoje, com a memória do Iluminismo, é claro, mas também com a consciência culpada e assumida dos crimes totalitários, genocidas e colonialistas do passado. Nós devemos lutar, portanto, pelo que a Europa conserva de insubstituível no mundo que está por vir, para que ela se torne mais que um mercado ou uma moeda única, mais que um conglomerado neonacionalista, mais que uma nova força armada, ainda que, a este respeito, eu seja tentado a pensar que ela precisa de um poder militar e de uma política externa capaz de apoiar uma ONU transformada, com sua sede na Europa, e tendo os meios de aplicar suas resoluções sem se submeter aos interesses ou ao oportunismo unilateral da potência tecnológica, econômica e militar dos Estados Unidos.


Uma outra Europa

Deste ponto de vista, destacarei e privilegiarei fortemente o décimo segundo “sim” das Resistências propostas por Ignacio Ramonet. Sim, diz ele, a uma Europa mais social e menos comercial. Um “sim” que desenvolverei em um “sim” a uma Europa que, sem se contentar com rivalizar com as superpotências e sem, entretanto, deixar-lhes o terreno livre, se torne, pelo menos no espírito de sua constituição e em sua prática política, o motor de uma outra globalização, seu laboratório, e mesmo, seu poder de intervenção, por exemplo, no Iraque ou no conflito israelo-palestino.

Uma Europa onde se possa, simultaneamente, se preocupar com o crescimento do anti-semitismo e da islamofobia

Uma Europa que mostre o exemplo do que pode ser uma política, uma reflexão e uma ética, herdeiras do Iluminismo passado e portadoras do Iluminismo vindouro, capaz de discernimentos não binários.

Uma Europa onde se possa criticar a política israelense, e particularmente a de Sharon e de Bush, sem ser acusado de anti-semitismo ou de judeofobia.

Uma Europa onde se possa defender as aspirações legítimas do povo palestino em recuperar seus direitos, sua terra e um Estado, sem, no entanto, aprovar os atentados suicidas e a propaganda anti-semita que tende, tão freqüentemente – freqüentemente demais – no mundo árabe, a re-credenciar o monstruoso protocolo dos Sábios de Sião.

Uma Europa onde se possa, simultaneamente, se preocupar com o crescimento do anti-semitismo e da islamofobia. Provavelmente, Sharon com sua política não é nem responsável nem culpado diretamente por um retorno intolerável do anti-semitismo na Europa. Mas deve-se reivindicar o direito de pensar que ele nada tem a ver com isso, e que ele tem nisso alguma vantagem para chamar os judeus da Europa de volta a Israel.

Uma Europa, enfim, onde se possa criticar os programas de Bush, Cheney, Wolfowitz, Rumsfeld, sem complacência pelos horrores do regime de Saddam Hussein. Uma Europa onde, sem anti-semitismo, sem antiisraelismo, sem islamofobia antipalestina, seja possível aliar-se com aqueles que, norte-americanos, israelenses, palestinos, criticam corajosamente, e freqüentemente com mais vigilância que nós, os governos ou as forças dominantes de seus próprios países e dizem, então, “sim” a todos os “sim” que acabo de lembrar.

É com isto que sonho. Agradeço-lhes por me ajudarem não só a sonhar este sonho, a sonhar, como diz Ramonet, “que um outro mundo é possível”, mas também por nos darem força para fazer tudo para que ele se torne efetivamente possível. Bilhões de homens e de mulheres no mundo partilham este sonho. Lentamente, com as dores e os trabalhos de parto, eles o farão ver o dia, um belo dia.

(Trad. Iraci D. Poleti)

1 - O grupo dos sete países mais industrializados e a Rússia.


vendredi 2 janvier 2009

GOVERNO BUSH Sob a lógica de Maquiavel

Um documento do Comando Estratégico do Exército norte-americano recomenda, de modo explícito, que o país evite parecer racional e controlável – e que sugira ser capaz de desatinos. Aparentemente insanas, as sugestões remetem, em pleno século 21, a certos pontos de vista enunciados em O Príncipe

Jacques Derrida

O príncipe, de Maquiavel [1] debate, em seu capítulo XVIII, intitulado “De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada”, uma questão extremamente atual: o respeito dos soberanos diante dos compromissos perante uma instituição ou de um terceiro qualificado. Por exemplo, o respeito (ou não), por parte dos Estados Unidos ou Israel, às resoluções das Nações Unidas.

Ora, saber “De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada” ou “Se os príncipes devem ser fiéis aos seus juramentos” parece uma questão inseparável daquela do que é “próprio do homem”. E essa dupla questão, que aparenta ser apenas uma, é tratada de uma maneira interessante. Pode-se ver passar aí não somente o lobo, mas também animais um pouco mais complexos.

A questão do que é “próprio do homem” é, com efeito, colocada no centro de um debate sobre a força da lei, entre a força e a lei. Nesse capítulo, um dos mais maquiavélicos de Maquiavel, este começa por admitir um fato (destaco a palavra fato): de facto, julgamos louvável a fidelidade de um príncipe aos seus juramentos. Depois do que se assemelha a uma concessão, Maquiavel volta, então, ao fato, que efetivamente nunca deixou. Poucos príncipes são fiéis, poucos príncipes respeitam seus juramentos, e a maioria se vale de subterfúgios. Eles agem quase sempre dessa maneira com relação aos seus juramentos, pois são constrangidos a fazê-lo.

Pudemos constatar, diz ele, que os príncipes mais fortes, aqueles que venciam, venciam os que, ao contrário deles, tomavam por regra o respeito ao seu juramento. “Devemos, pois, saber (Maquiavel se dirige tanto a Lorenzo de Médici quanto ao leitor) que existem dois gêneros de combates: um com as leis e outro com a força.”. A partir daí, Maquiavel tira as mais estranhas conclusões, que devemos analisar de perto. Combater com as leis, afirma ele, é “próprio do homem”, um argumento kantiano em seu princípio: não mentir, não dever mentir nem cometer perjúrio, isso é o próprio homem e sua dignidade.

A segunda maneira de combater (combater com a força) é a dos animais. A força e não a lei, a razão do mais forte: é isso que é o “próprio do animal”. Depois desse segundo tempo, Maquiavel faz constar que, de fato, o primeiro modo de combate (com a lei) não é suficiente. Permanece, na verdade, impotente. É preciso, então, na realidade, recorrer ao outro modo. É preciso que o príncipe combata com as duas armas, a lei e a força. É preciso, portanto, que se conduza como homem e como animal. e que um príncipe “saiba empregar convenientemente o animal e o homem”.


O Stratcom recomenda que se intimide o inimigo. Não apenas com a ameaça da guerra nuclear e do bioterrorismo, mas sobretudo com a imagem de um adversário (os Estados Unidos...) que perder as estribeiras e o sangue frio

Quando a ação por meio da lei é fraca ou impotente, torna-se necessário conduzir-se como animal. O príncipe humano deve agir como se fora uma besta. “Isto já foi ensinado aos príncipes, em palavras veladas, pelos escritores antigos. Eles escreveram que Aquiles e muitos outros príncipes antigos haviam sido criados por Quíron, o centauro, que os guardara sob sua disciplina. Ter um preceptor meio animal, meio homem, não quer dizer outra coisa senão que um príncipe deve saber usar ambas as naturezas e que uma sem a outra não é duradoura.”

Não insistamos demais sobre a parte humana desse príncipe-centauro, desse soberano que é aluno e discípulo de centauro. Maquiavel prefere assinalar a necessidade dessa parte animal ser, ela mesma, híbrida, heterogênea, um misto ou um enxerto de dois animais: o leão e a raposa. Não apenas um animal, mas dois em um. “Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza do animal, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão. Pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão bem-sucedidos.”

Aqui, o inimigo jurado é sempre um lobo. O animal a ser caçado, rechaçado, reprimido, combatido, é o lobo. Trata-se de “se defender contra os lobos”. Se o leão sozinho não é suficiente para aterrorizar os lobos, é preciso, ao menos, e graças à habilidade da raposa, aterrorizar os terroristas, como dizia Charles Pasqua, ministro do Interior francês. Isto é, fazer-se crer como potencialmente mais formidável, mais aterrador, mais cruel, mais fora-da-lei do que os lobos, símbolos da violência selvagem.

Sem multiplicar demais as ilustrações contemporâneas e bastante evidentes desses discursos, contento-me em recordar aquilo que constata Noam Chomsky em seu livro sobre os Estados delinqüentes [
2]. Para responder às ameaças daquilo que chamamos de “terrorismo internacional” da parte dos estados delinqüentes [3], o Stratcom (Comando Estratégico dos EUA), recomenda que se intimide o inimigo. Não somente com a ameaça da guerra nuclear (que é preciso sempre fazer pesar) e do bioterrorismo, mas sobretudo ao amedrontar o inimigo com a imagem de um adversário (os Estados Unidos, claro) que pode sempre fazer o que quiser, como um animal; que pode perder as estribeiras e o sangue frio; que pode deixar de agir racionalmente, como homem racional, quando seus interesses vi tais estão em jogo.

Não é preciso mostrar-se muito “racional”, diz a diretiva, na determinação daquilo que é o mais precioso para o inimigo. Dito de outra forma, é necessário mostrar-se cego, fazer saber que podemos ser cegos e animais na determinação dos nossos alvos, precisamente para meter medo e fazer crer que agimos não importa como; que enlouquecemos, quando os interesses vitais são tocados. É preciso fingir ser capaz de ficar louco, insano, irracional, logo, animal. É “nocivo”, diz uma das recomendações do Stratcom, nos retratarmos como muito racionais e com sangue frio. “Ao contrário disso, é ‘benéfico’ para nossa estratégia fazer certos elementos parecerem estar ‘fora de controle’.”

O príncipe deve ser uma raposa não somente para ser manhoso como a raposa, mas para fingir ser aquilo que ele não é e não ser aquilo que é. Portanto, deve fingir não ser uma raposa, embora, na verdade, seja uma

Essa capacidade de fingir, esse poder de simulacro – é isso que o príncipe deve adquirir para disfarçar-se com as qualidades da raposa e do leão. A própria metamorfose é um subterfúgio humano, um subterfúgio do homem-raposa, que deve fingir que não se trata de subterfúgio. Aí está a essência da mentira, da fábula ou do simulacro. Apresentar-se como a verdade ou a veracidade, jurar fidelidade, será sempre a condição da infidelidade. O príncipe deve ser uma raposa não somente para ser manhoso como a raposa, mas para fingir ser aquilo que ele não é e não ser aquilo que é. Portanto, deve fingir não ser uma raposa, embora, na verdade, seja uma. É sob a condição de ser uma raposa, ou que se torne uma raposa, ou que aja como uma raposa, que o príncipe poderá ser, ao mesmo tempo, homem e animal – e este, leão e raposa. Só uma raposa pode metamorfosear-se dessa maneira, pode agir de modo a assemelhar-se a um leão. Um leão não pode fazê-lo. A raposa deve ser raposa o bastante para fazer o papel de leão e para chegar a “saber disfarçar bem essa natureza” de raposa. Lendo algumas linhas vocês verão que Maquiavel tem um exemplo em mente. Ele faz o elogio matreiro de um príncipe-raposa do seu tempo:

*g Assim, um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se torna prejudicial, ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prometer. Se os homens fossem todos bons, esse preceito não seria bom, mas como são maus e não mantêm sua palavra para contigo, não tens também que cumprir a tua. Tampouco faltam ao príncipe razões legítimas para desculpar sua falta de palavra. Sobre isso poderíamos dar infinitos exemplos modernos e mostrar quantos pactos e quantas promessas se tornaram inúteis e vãs por causa da infidelidade dos príncipes. Quem melhor se sai é quem melhor sabe valer-se das qualidades da raposa. Mas é necessário saber disfarçar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimulador, pois os homens são tão simples e obedecem tanto às necessidades presentes que o enganador encontrará sempre quem se deixe enganar”
.

É útil lembrar exemplos da nossa modernidade. Hannah Arendt insistia: os Estados soberanos mais poderosos são aqueles que, submetendo aos seus interesses o direito internacional, propõem – e de fato produzem – as limitações de soberania dos estados mais fracos. Às vezes chegam até a violar, ou a não respeitar, o direito internacional para cuja instituição contribuíram. Chegam até a violar as instituições desse direito internacional. Ao fazê-lo, acusam os Estados mais fracos de não os respeitarem e de serem estados-canalhas ou, em inglês, Rogue States – isto é, Estados fora-da-lei, como aqueles animais que chamamos de chamados de “desgarrados” por não se dobrarem nem mesmo à lei de sua própria sociedade animal. Esses Estados poderosos sempre dão e se dão razões para justificarem-se, mas não têm necessariamente razão. Têm a razão menos potente entre todas. Irrompem então como animais cruéis, selvagens ou cheios de raiva.

[1] O Príncipe está disponível, na íntegra, no site Domínio Público

[2] Chomsky, Noam. Rogue States: the rule of force in world affairs. Cambridge, South End Press, 2000.

[3] Lembro que a palavra rogue, utilizada para “canalha” em inglês, pode designar também os animais que não respeitam nem mesmo os hábitos da sociedade animal e se desgarram do grupo

Jacques Derrida
Filósofo e escritor falecido no dia 9 de outubro de 2004.