(QUÉAU, Philippe. Trad. Henri Gervaiseau. In: PARENTE, André (org.). Imagem Máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. 304 p. , 91-99p.).
por Fabiana Ferreira de Alcantara e Helena Cavalcanti de Albuquerque
Segundo Philippe Quéau, uma nova escrita modificará profundamente nossos métodos de trabalhar e de criar. Será uma revolução profunda em que surge uma nova relação entre imagem e linguagem. Pela primeira vez, formalismos abstratos podem produzir imagens.
As imagens de síntese formam uma nova escrita.
Mas o que o autor quer dizer com imagens de síntese?
São as imagens em geral ou as imagens de computador?
As imagens de síntese, são em primeiro lugar, linguagem.
“Hoje, ao clicar o mouse, ou ao teclar um ESC, um usuário não tem a mínima idéia de como as coisas acontecem lá dentro do sistema” 1. O comando simplesmente é obedecido. O primeiro computador moderno, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer), era uma geringonça que funcionava usando 17 480 válvulas de rádio, pesava 4 toneladas, media incríveis 30 metros de comprimento por 3 de altura. No ENIAC, tudo acontecia do lado de fora. Eram desenvolvidas equações matemáticas por cientistas, numa seqüência exata a ser digerida pelo sistema. Uma operação totalmente manual.
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O sistema binário é uma linguagem matemática que é utilizada como base para os computadores. As imagens digitais por sua vez são constituídas dessa linguagem matemática, é pois, uma imagem calculada que introduz uma grande transformação dos meios de representação. A imagem digital com sua natureza numérica e simbólica (no sentido matemático do termo), possibilita todos os tipos de mediação entre linguagens formais e representações sensíveis.
Quando o autor fala da “pregnância de representações clássicas como as imagens fotográficas” quer dizer que estamos tão acostumados a ver essas imagens clássicas que não percebemos como a imagem digital pode ser além de apenas uma imagem mas, também uma linguagem.
O autor procura deixar claro a distinção entre as imagens clássicas (fotográficas, cinematográficas ou televisuais) e as imagens infográficas e das representações virtuais.
Aqui podemos usar um exemplo de uma foto e a mesma foto escaneada onde podemos diminuir a resolução e aumentar os pixels, produzindo uma imagem com um efeito (=imagem de síntese como linguagem)
Se formos olhar para a imagem escaneada de uma paisagem, por exemplo, não percebemos que por trás daquela imagem existe um conjunto de pixels ordenados matematicamente. Isto em relação quando o autor fala “Enquanto “imagens”, elas não nos permitem entender o modelo abstrato que as engendra, mas abrem uma janela para ele.”
Quando o autor diz que a imagem remete ao seu modelo, citando a definição de Nicéphore, quer dizer, por exemplo que uma imagem de uma paisagem faz lembrar um determinado lugar, ou uma imagem de uma pessoa, traz a lembrança da pessoa.
Alguém que olha uma foto ou imagem de alguém que não conheça certamente vai dizer, quem é essa pessoa? Ou aonde é esse lugar?
As imagens tornadas visíveis são formadas com base em modelos. Ou seja, são um tipo de representação de algum objeto/ elemento da realidade... Ela não pode compreender-se plenamente se não for através de sua relação com ele. Porém essas imagens não esgotam imediatamente a substância dos modelos formais que a engendram: só dão conta deles de modo parcial e relativo – não substitui o modelo real e não consegue representa-lo de todas as maneiras possíveis de um modelo real.
Mas, para o autor, embora a imagem de síntese remeta ao seu modelo, não é simplesmente uma imagem de algo, uma cópia estática. “Para compreender a essência de uma imagem de síntese, é necessário procurar entender o modelo que a engendra.”
Os “estados possíveis do modelo, através de uma variação dos parâmetros acessíveis ” seria uma variação de efeitos do photoshop numa mesma imagem, por exemplo? Ou no caso de uma modelagem no 3D MAX, as variações poderiam ser os modificadores que se aplica a uma esfera.
“uni Alguns símbolos digitados no teclado bastam para criar versos de formas e cores em constante metamorfose”
Pois, então, eis alguns símbolos: @ J :) * $ # será que correspondem a que o autor diz?
E outros símbolos como as carinhas:
Portanto, uma imagem de síntese não é, simplesmente uma espécie de cópia estática e enrijecida de uma realidade preliminar. Para compreende-la é necessária a percepção do modelo que a engendra; explorar todos os “estados” possíveis do modelo, através da variação dos parâmetros acessíveis.
As imagens infográficas podem imitar a natureza, traduzir teorias em formas sensíveis ou mergulhar-nos fisicamente em mundos com propriedades desconcertantes.
Nas ciências, indústria, lazer , nas artes ou mesmo na conduta de guerra, alguns exemplos desse tipo de imagens já podem ser facilmente visualizados:
CIÊNCIAS – experiências de laboratório e representações de fenômenos que não podem ser vistos a olho nu ou com uso de microscópio.
Ex: Descoberto um quinto estado da matéria, o plasma. “Ele se concentra no ‘pico’ do gráfico produzido por computador”.
Ex: Comportamento dos elétrons não só como partícula, ma também como onda.
Ex: Teoria da formação do universo, o Big Bang: dedução de que o Cosmo é plano.
INDÚSTRIA – testagem de novos produtos com demonstração de resistência de materiais e simulação de modificações externas, como exposição à umidade e calor.
Ex: Funcionamento do aparelho de som estéreo: distribuição espacial do som – sistema quadrifônico que permite uma sensação de tridimensionalidade.
LAZER – jogos que possibilitam a imersão num ambiente “virtual”, assim como testes para visualização de novos produtos esportivos.
Ex: No jogo Black & White, você é um deus e deve criar e guiar uma civilização de humanos.
Ex: “Passeio entre as crateras da Lua”: com turismo virtual, será possível pilotar da Terra, um robô na Lua.
ARTES – propõe um novo espaço para redimensionamento da posição do espectador/obra, um novo conceito de obra de arte e mesmo novas propostas de questionamento.
Ex: Nova posição do espectador: o espectador faz parte da obra e esta só ‘acontece’ se um indivíduo ‘participar/atuar’. (descobrir o nome da obra do caleidoscópio).
Ex: Propostas de questionamento: (instalação de Eduardo Kac).
As imagens de síntese são essencialmente abstratas, apesar de oferecerem um aspecto material, visível, pois são constituídas pela linguagem numérica.
As imagens de síntese e os mundos virtuais não revelaram ainda o seu verdadeiro potencial. É difícil, hoje, dimensionar a verdadeira revolução em curso no campo da imagem, conseqüentemente, do tratamento da informação e da comunicação.
Quéau afirma que as conseqüências econômicas e sociais da numerização e da virtualização da informação já podem ser notadas através do papel cada vez maior das tecnologias da representação na nossa sociedade. A imagem torna-se agora instrumento de trabalho eficaz.
Metáfora para a língua portuguesa é uma comparação sem conjunção. O autor utiliza a expressão metáfora lingüística ou visual, sabendo que as duas buscariam compensar os limites dos sistemas de representação, ou seja, propondo analogias entre o contexto normal de uma palavra ou de uma imagem e um contexto novo no qual é arbitrariamente introduzida. Para especificação da explicação do conceito de metáfora utilizado vamos recorrer a um modelo: um produto / embalagem industrializado (qualquer). Na elaboração da testagem por computador dos efeitos de temperatura e pressão a que este produto poderia estar exposto, temos o seguinte:
- o modelo (imagem digital) é o caráter mais concreto, mais experimental a uma teoria, sem perda de substância inteligível. Em contraposição:
- a metáfora (comparação pura) não pode explorar sistematicamente um modelo científico; pode esclarecer, por vezes brilhantemente, mas sem verdadeira capacidade de comprovação.
- Portanto, a experimentação do modelo e extrapolação deste (com os efeitos computacionais) é necessária para sua apreensão completa.
Pode-se experimentar um modelo (testes computacionais), seja testando sua coerência interna, seja confrontando-o ao contexto real. A contribuição da imagem de síntese é de dar-nos uma versão sensível, em parte “equivalente”, ou seja, através de uma simulação, ao modelo que a engendra (que é baseado).
A faculdade concreta de tocar os sentidos do espectador e criar uma impressão física forte, envolvente, é somada à natureza abstrata da imagem de síntese. São representadas texturas, sons, ambientes o mais parecido possível aos modelos da realidade. As técnicas infográficas aliam-se às novas tecnologias espetaculares e inovadoras para tentar produzir o efeito do objeto/sensação real. Uma série de ‘espaços’ é construída com essa intenção, por exemplo, a ambientação de cinemas com tela hemisférica Omnimax ou o posicionamento do sistema de som nesses ambientes; os personagens criados nos filmes ou documentários que buscam extremo realismo nas movimentações e texturas corporais .
Um exemplo que pode ser utilizado como “imersão na imagem” são as maquetes eletrônicas, onde existe uma simulação de “andar dentro de um ambiente”. Um exemplo prático é o trabalho do aluno do curso de 3D MAX, Luiz Gustavo Bayão sobre Hitchcock, onde a câmera virtual passeia num ambiente que na verdade é a parte interna das letras que formam o nome do diretor e que contém imagens de cartazes e cenas dos filmes.
Quando o autor fala dos “mundos virtuais portáteis” são os capacetes individuais para poder desfrutar da realidade virtual. Essa mistura entre um objeto que produz a imagem e o corpo é que permite a sensação do “lugar” explorável, que o autor sugere.
Poderia até dizer que além da imagem virtual com a qual se interage, inclusive com movimentos, também existe um outro aspecto que é como o corpo se comporta diante da reação com aquela imagem virtual, e como isso é visto por um terceiro espectador. Este último pode ser testemunha do quanto a “imagem de síntese modifica a relação com o real”, reportando o bailado daquele corpo que interage com a imagem virtual. Como no filme Jonny Minemmonic que o ator Keannu Reves usando um óculos e luvas fica se movendo, atuando conforme as imagens virtuais que está vendo.
O corpo em seus menores gestos e movimentos, é efetivamente suscetível de ser interligado com o mundo virtual no qual evolui. Uma nova relação entre o gestual e o conceitual pode ser imaginada. Podemos até falar de uma hibridação entre corpo e imagem, isto é, entre sensação física real e representação virtual. A imagem de síntese modifica nossa relação com o real, estruturando-o de outra forma, como instrumento de escrita (modifica, interfere no real). Estabelece ligações inéditas entre preceitos e conceitos, entre fenômenos perceptíveis e modelos inteligíveis (abstratos).
São criadas ligações:
inteligível sensível
modelos imagens
“As matemáticas possuem uma vida estranha que fascina e surpreende os melhores matemáticos. [...] O artista de amanhã será, sem dúvida ,chamado a utilizar a autonomia desses “seres” intermediários como novo meio de expressão, e poderá tirar partido da sua vida artificial para criar obras em constante gênese, processos quase-vivos, modificando-se sem cessar eles mesmos em função do contexto”. Nesse aspecto, já podemos observar em várias instalações de Arte Eletrônica algumas abordagens que mostram claramente a utilização desses recursos e transformação dos processos de acordo com a manipulação individual da obra.
São propostas novas perspectivas no plano pedagógico, que também já podemos visualizar sua existência com as universidades virtuais; porém ele especifica a necessidade de novas formas de navegação mental, para a possibilidade de encontrar informações em constante regeneração num novo “espaço virtual” (campo de dados).
“Uma conseqüência do caráter lingüístico das imagens (de síntese ou todas?) é a possibilidade de criar um vai-e-vem entre modelo e imagem. Com a imagem de síntese os modelos podem engendrar imagens”. Pode-se tratar imagens já existentes, analisá-las e extrair delas características operatórias. Compara-se a imagem real e a sintética.
Exemplo: o olho; a imagem real pode-se ver o olho e até tocar. A foto do olho pode ser vista e manipulada e mostra a imagem do real. A foto do olho escaneada, mostra a “imagem da imagem” do real e permite o tratamento que quiser.
Pode-se notar uma certa “preocupação” do autor diante da possibilidade das imagens poderem circular pela Internet e poderem ser manipuladas de maneira aleatória, sem o nosso controle, quando o autor fala dos “demônios” que circulam.
Alerta para a urgência do desenvolvimento de uma consciência para melhorar a formação do público, posto que a imagem, tornada meio de escrita, não deve nunca ser vista como natural ou distraidamente vista, mas deve ser a partir de agora atenciosamente lida, analisada, comparada ao seu contexto.
No entanto, presenciamos atualmente o oposto do que era alertado por Quéau. As empresas que se utilizam das imagens e dos meios visuais, tanto para jogos, como no caso de experiências científicas, podem hoje, procurar não somente a simulação dos elementos da realidade, mas trabalhar novas possibilidades da presença do corpo num outro espaço, projetado sem a busca pelo detalhamento da realidade.
Quanto a “máscara gráfica”, acredita-se que nem seja preciso ir muito longe dos ambientes de “bate-papo” da Internet, onde as pessoas muitas vezes se mascaram ou se escondem atrás da aparência imaginária.
Segundo o autor, novas questões sobre nossa capacidade de apreensão da realidade e sobre o próprio impacto dos métodos utilizados do ponto de vista filosófico ou epistemológico são colocados pelos progressos da simulação, pelo realismo crescente das técnicas do virtual, que permitem emaranhar de modo cada vez mais sutil o real e o virtual. Esta nova realidade possuiria inegáveis vantagens – cognitivas, expressivas, lúdicas – mas também apresenta novos riscos.
Seria preciso começar uma inquietação com as conseqüências psicológicas que um excessivo consumo de universos virtuais cria. Há uma tendência à desrealização através do apego à perfeição limpa das matemáticas ou ao rigor lúdico da informática. A desrealização seria o caráter pseudo-concreto e pseudo-palpável de entidades imaginárias.
As realidades artificiais e os mundos virtuais nos obrigariam a interrogar-nos de modo urgente e agudo, sobre a natureza da realidade real. O virtual nos estimula a colocar de forma nova a questão do real.
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1 Max Gehringer e Jack London, in: Odisséia Digital. Ed. Abril, edição especial. Dados específicos tirados da revista.